Durante todo o mês de Maio, acompanhamos as mais diversas homenagens a um ícone imortal da Fórmula 1 e neste momento, gostaríamos de contar uma história nunca antes compartilhada.
Tivemos a singular oportunidade de a partir dos meses de dezembro, janeiro e fevereiro dos anos de 1989 a 1994, manter contato com o ícone da fórmula 1, Ayrton Senna da Silva, em Angra dos Reis - RJ. Como funcionário da Petrobrás, lotado no SEQUI (Setor de Qualificação e Certificação de Pessoal), cuja base era localizada junto a Refinaria Henrique Lage (REVAP) em São José dos Campos - SP, tinha atuação como examinador (avaliador) na qualificação de inspetores subaquáticos na área do Terminal Marítimo Almirante Maximiano Fonseca - TEBIG, localizado em Angra dos Reis - RJ.
As provas de qualificação eram então realizadas na região do Píer do Terminal, em uma Plataforma Piloto denominada de PPL-1. Esta plataforma encontrava-se numa região de mar abrigado, em lâmina da água de cerca de 12m de profundidade na maré alta.
Lá, os mergulhadores que eram funcionários de empresas contratadas pela Petrobrás para prestação de serviços de inspeção em estruturas submersas de produção de petróleo no território nacional, executavam as provas práticas de qualificação, com objetivo de comprovar sua capacidade técnica, inspecionando corpos de prova (peças com defeitos conhecidos e padronizados) que eram distribuídas sobre o leito marinho. O Píer onde atracam embarcações que transportam derivados de petróleo para o Brasil e exterior, tem 1800m de comprimento.
Além dessa área, no início do Pier, em terra, existe a denominada “ASA” (Área de Serviços Auxiliares), região do Terminal que contém as estruturas de apoio, onde estão localizadas as casas de máquinas, oficinas, laboratórios, centro de controle e combate à poluição, grandes tanques de armazenamento de derivados de petróleo, escritórios e restaurante. É uma região ampla, com uma série de ruas contornando todos estes tipos de estruturas.
Exatamente na extensão da pista do Pier incluindo também as ruas principais da ASA, é que Senna praticava sua corrida de preparação física. Eventualmente ele estava acompanhado de seu preparador físico Bruno Cobra que monitorava seu desempenho.
Senna tinha residência em Portogallo, onde ele passava o período de férias da Fórmula 1, uma localidade nobre próxima ao Terminal da Petrobrás. Ele fazia o deslocamento entre sua residência e o Terminal por mar, utilizando sua lancha denominada de Joana (nome de sua mãe).
A lancha era sempre atracada na região do cais dos rebocadores que auxiliam nas manobras de ancoragem dos navios petroleiros. Os marinheiros dos rebocadores prontamente davam o apoio necessário para atracar sua lancha.
O treino de corrida iniciava-se então no encontro do cais dos rebocadores com o Píer, após aquecimento e alongamento por cerca de 15 minutos. O treino durava aproximadamente de 1:30h a 2h, em toda extensão do Píer e das ruas principais da ASA. Ocorria pela manhã por volta das 08:30h, mas com muita frequência a partir das 17h.
Após a conclusão do treino, Senna fazia novo alongamento. A partir daí ele dava atenção as pessoas que o procuravam para conversar ou tirar fotos, público este bem limitado a poucos funcionários do Terminal e a nossa equipe do mergulho.
A permanência dele no Píer após conclusão do treino era variável, mas normalmente algo em torno de 30 minutos, no entanto, muitas vezes ele permanecia até a noite. Em seguida ele embarcava na lancha e ia embora. Tivemos até casos em que Senna se aproximou com sua lancha da plataforma piloto (PPL-1), enquanto alguns mergulhadores estavam fazendo a prova submersa e outros que já haviam concluído as provas ainda estavam sobre o convés da plataforma desmobilizando os equipamentos que haviam sido utilizados.
Ele questionou se poderia mergulhar ali para ver os corpos de prova, pois ele já tinha estado por inúmeras vezes no Terminal e nunca havia tido a oportunidade de mergulhar. Claro que todos concordaram com o pedido daquela ilustre visita e prontamente um dos mergulhadores se prontificou a ir com ele. Ele pediu para usar o equipamento de mergulho completo e somente havia um conjunto de traje de mergulho em péssimas condições, ou seja, com o neoprene bastante rasgado em diversas partes.
Senna não se preocupou com isso, vestiu o traje bem danificado mesmo assim como o restante do equipamento e fez o mergulho devidamente acompanhado por um mergulhador, indo até o leito marinho, cerca de 12m de profundidade, onde viu os corpos de prova utilizados na prova de ensaio visual subaquático. Após alguns minutos retornou a superfície muito feliz e agradeceu a todos da equipe, indo embora em seguida.
Todo o pessoal do mergulho que estava ali comigo ficou impressionado com a simplicidade e simpatia dele. Tivemos a oportunidade de desfrutar momentos sensacionais com o ídolo. O detalhe interessante foi que Senna teve uma forte otite após este mergulho e por pouco não deixou de participar da primeira corrida de fórmula 1 daquele ano de 1993.
Por diversas vezes Senna ia treinar no final da tarde e como nossos trabalhos na área da Pier eram encerrados por volta das 17:30h, todos os mergulhadores iam embora, mas eu sempre ficava por mais algum tempo até verificar se tudo estava devidamente organizado, pois os requisitos de segurança exigidos na área do Terminal são bastante rigorosos.
Dessa forma tive a magnífica oportunidade de por diversas vezes, encontrá-lo na fase de alongamento após conclusão do treino e ter um bate papo longo e descompromissado com o Ayrton. Era comum nos sentarmos no asfalto da pista do Píer próximo ao guarda corpo e ali muita conversa rolava. Claro que eu tinha muita vontade de fazer inúmeras perguntas a ele, mas sempre procurei me controlar para não me tornar mais um repórter querendo especular a vida dele.
Nossa conversa era de amigos, ele ficava muito a vontade e comentava que gostava muito de vir a Angra passar as férias e de principalmente poder fazer seu treino de corrida ali no Terminal. "Aqui eu tenho paz, tranquilidade, ninguém fica me perseguindo e fazendo aquele mundo de perguntas, aqui eu me sinto totalmente livre", dizia Ayrton. Ele falava das restrições a que tinha que se submeter, dizia que “vou a restaurantes maravilhosos para tomar água e comer salada pois tenho que manter a forma e o preparo físico para toda a temporada".
Ele também me perguntava bastante sobre os detalhes das provas de qualificação que eram realizadas no Terminal, já que cada vinda dele para o treino, passava com sua lancha ao lado da plataforma piloto e observava a movimentação do pessoal do mergulho, já que sempre acenava cumprimentando a todos nós quando passava por ali.
Outro detalhe importante é que Senna chegou a fazer palestra no dia das crianças, no clube da Petrobrás que se localiza na entrada da Vila Residencial dos funcionários da empresa, em homenagem as crianças. Foi um verdadeiro delírio a todos que participaram e principalmente para as crianças, que compareceram em grande número.
O ÚLTIMO ENCONTRO
Era 01/02/1994, Senna chegou por voltas das 17h para seu treino. Nosso trabalho encerrou logo em seguida a sua chegada e o pessoal todo da equipe de mergulho já havia ido embora. Senna concluiu o treino por volta das 19h. Eu estava concluindo a verificação das instalações da plataforma piloto e quando subi ao Pier o encontrei fazendo alongamento. Imediatamente ele me chamou e começou a conversar, de forma muito descontraída.
Como sempre interessado na atividade que tínhamos no Terminal, principalmente porque já havia mergulhado e conhecia aquelas “peças malucas” como dizia ele, que os mergulhadores tem que inspecionar. A conversa foi muito dinâmica, muitos assuntos tradicionais de casa, da família, da vida cotidiana, tanto dele quanto ele perguntava sobre a minha. Muito legal mesmo, fiquei impressionado com a descontração dele.
Tive a grata oportunidade de ser convidado por ele para em seu próximo retorno ao Brasil que deveria ocorrer no final de 1994, de jantarmos na sua casa. Ele disse que me buscaria ali no terminal de barco e depois do jantar me levaria de volta. Fiquei muito entusiasmado e feliz e nem podia acreditar no que tinha ouvido. A conversa foi se estendo e acabamos sentados no piso de asfalto do Pier.
Fiz algumas perguntas a ele referente ao novo carro que estava utilizando da equipe Willians, pois a mídia divulgava que o carro estava ruim. Ele confirmou, disse que o carro era totalmente instável, muito difícil de “guiar”, suspensão descalibrada, motor com desempenho irregular, dificuldade até no espaço interno para as pernas. E comentou muitos detalhes referente ao carro e a equipe. Ele se mostrava muito decepcionado com a equipe, pois desejava perfeição no equipamento de competição que tinha e isso parecia cada vez mais difícil de acontecer.
Por volta das 20:30h nos despedimos com um longo aperto de mãos. Ali terminava um ciclo incrível de minha vida. Eu, simples mortal, diante de um ídolo mundial era algo inacreditável.
Para um resumo desses anos de contato com Senna, eu diria que ele é uma pessoa extremamente educada, receptivo, de personalidade forte, íntegro, competitivo, dedicado, entusiasta da vida, humilde, simpático, coerente, e um homem de muita Fé em Deus. Este foi nosso último encontro e infelizmente a vida armou uma surpresa muito triste na jornada do Senna, que teve o desfecho exatamente 90 dias após este encontro, em 01/05/1994, quando ele abandonou definitivamente a fórmula 1 e também a corrida da vida.
A Ayrton Senna da Silva, nosso respeito, admiração e eterno aplauso!!
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